17 de outubro de 2007

Sobre P.


Dias ruins...
Há uma semana recebo a visita de um ex residente querido, muito querido, que me pede para traqueostomizar seu pai, que está na UTI, após grave complicação de uma cirurgia curativa de câncer.
- Claro que sim! Fique tranqüilo, farei o que for preciso por ele.

Vou até a UTI e fico sabendo que o pai dele está em condições gravíssimas. Olho para ele, no respirador, e fico imaginando se será benéfico o que me pedem. Fico pensando se ele já não seria um paciente de cuidados paliativos.
Logo no dia seguinte fico sabendo que ele não tem condições clínicas para o procedimento. Falece dois dias depois.

Hoje, na mesma UTI, chego para conversar com meu colega que havia viajado, enquanto aguardo a hora da minha próxima cirurgia, e não me dou conta que alguns homens bem arrumados, de terno e gravata, conversam sobre um paciente. Um deles me olha e sorri. reconheço P., que fez residência médica comigo. Ele era um ano na minha frente e era filho do médico chefe. Vou na sua direção e ele me abraça. O mesmo olhar triste de tantos anos atrás. Diz que veio porque seu pai está morrendo. Fico aflita e confesso que tinha medo que me chamassem para realizar algum procedimento no pai dele, mas ele me tranquiliza:
- Não queremos nenhum procedimento invasivo.
- Que bom! Hoje eu sou paliativista.
Ele sorri. Falamos um pouco de nossas vidas...Ele tem dois filhos americanos e me pergunta:
- Filhos?
- Não.
- Fez muito bem.
Fico atônita! Daí ele me sorri, me abraça de novo e nos despedimos.

O mesmo olhar triste.
Ele sempre foi um menino triste, sempre tentando agradar ao pai, que o humilhava na nossa frente. Talvez por isso eu não tenha enxergado que ele era ruim, como muitas pessoas diziam. Talvez porque ele tenha me tratado com carinho e respeito, porque sempre foi assim que eu o tratei.

Tristeza. Eram tantos sonhos que tínhamos. Será que ele realizou os deles? Muitos, quem sabe. Mas ainda consegui enxergar aquele olhar triste...

Um comentário:

Anônimo disse...

Puxa, minha amiga, seu relato nos transmite uma dimensão do humano que, muitas vezes, no cotidiano, vamos perdendo. O referencial da dor. Sim, não podemos nunca esquecer de nossa condição aqui na Terra e correr em busca dos sonhos. Sempre. Te beijo,